Gonçalo.

Conheceu-o na faculdade, quando ainda tinha acabado de festejar o aniversário que lhe abriu a porta para o mundo dos adultos. A mesma altura em que a experiência de vida era escassa, mas que já tinha começado a medrar. Deu pela existência dele quando se tornaram colegas de aulas, no curso de direito que era suposto dar-lhes oportunidades no futuro.
Chamava-se Gonçalo. Era um rapaz que agradava logo à primeira vista, não era muito alto, a altura dele mal passava de um metro e setenta, mas era robusto. Tinha uma estructura óssea que delineava perfeitamente o seu rosto, olhos verdes que se destacavam à distância, para os quais as madeixas do seu cabelo semi-curto serviam de cortinados e a forma dos seus lábios era quase perfeita. Na questão do estilo também tirou nota máxima. Simples, mas com classe, vestia-se na maioria das vezes em tons de castanho ou cinzento, juntando sempre uma peça preta ou branca. As calças eram sempre de ganga e o casaco de cabedal era o pão de cada dia dos olhos que o avistavam. E pode-se dizer que foi nisso que ela se baseou para se aproximar dele, tendo a mentalidade minimamente fútil que ela tinha naquela altura.
Começaram a conhecer-se cada vez melhor. Ela mostrou-lhe o mundo dela, os sítios que frequentava, os amigos, o apartamento. Os quadros que pintava, os sêlos que coleccionava e obrigava-o a ir com ela ás compras, a coisa que ela adorava fazer durante horas, e para a qual também tinha o bolso certo.
ele mostrou-lhe o mundo dele. Os dois únicos cafés aos quais ele ia, fez-a ler muitos das dezenas de livros que ele guardava como relíquias, partilhava com ela as suas tardes a beber café e a fumar cigarros, coisa que até aquela altura era algo que ele se limitava em partilhar consigo próprio. Mas ele sempre gostou muito dela, e por isso não teve dificuldade nenhuma em mostrar-lhe como realmente era.
Os anos passaram e as coisas mudaram. Ela foi a única de ambos a terminar o curso. Arranjou, pouco depois, um trabalho num escritório onde começou a exercer o seu trabalho. ele acabou por ficar entedeado e desistiu, achou que a sua existência seria mais útil ao mundo se partilhasse os seus pensamentos. E foi aí que começou a escrever livros. Cada um deles manteu o seu próprio espaço. Ia partilhando noites, uma em casa dela, a outra em casa dele, mas nunca houve nenhuma fusão de habitats.
Mas algo que também acabou por mudar, foi ele. Não as típicas diferênças interiores que vêm com a idade, mas sim diferênças físicas, trazidas pela falta de cuidado que ele teve. Ficou com uma mancha castanha no dente, por causa do tabaco, que se notava cada vez que ele abria a boca. Andava com os cabelos de qualquer maneira, e já não se interessava muito pelo estilo. tinha ficado assim com uma aparência digna de um escritor desmazelado. Basicamente, o brilho que outrora saltava aos olhos, já não se notava à primeira vista. E para muitos este detalhe não tem importência nenhuma, mas a verdade é que esta parte é a mais importante de toda esta história.
Como foi mencionado, a mentalidade dela era bastante fútil. E foi algo que também acabou por mudar com o tempo. Porque, verdade seja dita, ela era a única pessoa que não tinha reparado nessas tais mudanças físicas. Continuava a olhar para ele da mesma forma, podia não ter à sua frente o que a tinha cativado, mas continuava a possuir a pessoa que a tinha conquistado.

2 comments:

  1. "continuava a olhar para ele da mesma forma, podia não ter à sua frente o que a tinha cativado, mas continuava a possuir a pessoa que a tinha conquistado"

    jennn, isto merece um award :')
    a sério, o texto está excelente mas esta última frase arrasa por completo.

    e o teu blog está LINDO, I'm in love with it *.*

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